Em outubro de 1928, a tranqüila São Paulo era sacudida ante a execução de uma loira de 21 anos, grávida de meses, abatida pelo marido e depois mutilada e colocada numa enorme mala de couro, com fecho americano. Essa misteriosa mala faria uma longa viagem pelo Atlântico, não fosse a descoberta no porto de Santos. A estranha carga tinha um destino: Bordeaux, na França.
Nos bares, cafés, restaurantes e passeios públicos, a conversa, durante muitos dias, girou sobre um só assunto: o crime da mala. Aos domingos, quando da tradicional macarronada dos italianos, famílias inteiras dedicavam-se ao assunto com interesse incomum, mas não estranho: a vítima era italiana e o assassino tudo indicava fosse também da mesma nacionalidade.
A história da crônica policial conta esse assassinato como o mais expressivo já ocorrido no Brasil, pela repercussão que teve na época.
A divulgação de uma notícia, de que no porto de Santos uma grande mala de couro fora descoberta com o corpo de uma mulher dentro, explodia como uma bomba em todo o Planalto, depois de correr de boca em boca na região portuária. Ao ser içada para borrdo do vapor Massília, que seguiria para a Europa, a carga deixava escorrer um líquido escuro e exalava cheiro insuportável. No momento em que a embarcação levantava âncoras, a Polícia Marítima decidiu averiguar. Foi uma correria sem tamanho. A imprensa se apressou e logo passou a investigar, mesmo antes da polícia. Imediatamente pensava-se em Miguel Trade, autor de crime parecido em 1926. Mas não era nada disso. O nome agora era José Pistone, 31 anos, casado, natural de Canelli, na Itália). A vítima, sua esposa, Maria Féa Mercedes (21 anos).
Dentro da mala, além dos despojos de Féa Mercedes, foram achados também pedaços de papel que forravam a base do baú, uma caixinha de pó de arroz Coty, vidro com pastilhas para garganta, seringa, vidro de extrato, cobertor de lã, lençol de linho, travesseiro sem fronha, almofada verde, retalhos de tecidos e peças de roupa. O corpo tinha um colete de lã sobre o busto e camiseta de tricô, meias de seda presas por ligas de elástico, sem enfeites. E o que mais revoltou: junto do corpo, um minúsculo cadáver. Quando abatida, a vítima estava grávida de seis meses e o bebê nascera dentro da mala, confirmaria mais tarde o médico Rebello Netto. Ele mesmo diria, antes do sepultamento feito no cemitério do Saboó (esse cemitério existe até hoje em Santos e na sepultura todos os anos milhares de pessoas depositam suas esperanças em milagres, conforme criou a crença popular), que Maria Féa fora estrangulada e depois mutilada.
Maria Féa Mercedes teria sido morta pelo marido, José Pistone, na Rua da Conceição, 34, onde residiam numa sala alugada do apartamento número cinco do prédio de 3 andares. Pistone comprou uma mala na Av. São João e mandou que fosse entregue em sua casa, para onde se dirigiu e pôs em prática seu plano. Ao chegar sua encomenda, recebeu-a na porta. A seguir, tentou colocar o corpo dentro.
Não coube. Então ele seccionou as pernas da morta na altura dos joelhos com uma navalha, até partir-se em meia lua na lâmina. Fechada e com o corpo bem acondicionado para seus propósitos, a mala foi logo levada a um caminhão para a estação da Luz e colocada num trem que ia para Santos. Ele foi junto.
No porto, alugou um caminhão Fiat 818 e transportou seu precioso volume até o cais, e lá providenciou o despacho para a França, com a inscrição: "Francisco Ferrero" (nome fictício, provavelmente, apenas para justificar a remessa). Antes disso, envolveu a caixa com muitos metros de uma forte corda. Durante todo esse tempo, vivia com os olhos pregados na mala, embora isso lhe custasse náuseas e ameaças de vômito, pois o cadáver entrava em decomposição e cheirava mal. Essa vigília e também o odor do volume despertaram as atenções.
Descoberta a loja que vendera a mala e também a identificação da mulher, a polícia caminhou a passos largos para a localização e conseqüente prisão do autor do segundo crime da mala no país. Ele foi achado na Pensão Grasso, que existia na Rua Ypiranga (hoje avenida), de onde pretendia pagar um automóvel e seguir até o Bom Retiro e de lá se jogar no rio Tietê, uma vez que para se afogar no mar, em Santos, não tivera coragem suficiente. Sem reagir, o italiano magro e alto, de olhos azuis e tido como doente tuberculoso quando trabalhava na Casa Canelli, também da Rua da Conceição, foi levado para o "Gabinete de Investigações", onde tentou justificar seu gesto.
Sobre a possibilidade de adultério praticado por "Mariucha", como era chamada sua esposa na colônia italiana, ele não esclareceu muito, apenas garantiu que ao chegar em casa no dia do crime, um homem pulou e sua cama e fugiu na sua frente.
No entanto, pelo que disse aos policiais em 1928, o assassinato poderia também estar ligado a dinheiro. As 15 mil liras que ele trouxera quando veio para o Brasil, teria dado para Maria Féa depositar numa casa bancária. Depois ele soube que lá só havia 12 mil, gerando daí séria discussão e o crime. (Féa Mercedes mandara 3 mil liras para seus parentes na Itália, em pagamento dos débitos contraídos pelo marido, quando de seu casamento em Sandria, naquele país).
No dia 1º de novembro, isto é, quase um mês depois do homicídio, Pistone deu entrada na Penitenciária do Estado, que era na Av. Tiradentes. Saiu não se sabe pra onde, para voltar dia 19 de março de 1938 e, em definitivo, a 10 de junho do mesmo ano. Ele morreu em 1969 em Taubaté, onde teria se casado pela segunda vez. Seu corpo está sepultado no cemitério da cadeia dessa cidade.
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