MÚSICAS INESQUECÍVEIS

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Olimpíadas de Verão de 1968, na Cidade do México : A força de um gesto que mudou uma vida.


É uma foto histórica de dois homens de cor e um  homem  branco, imóvel, no segundo degrau do pódio de metal. Considerava-se então,  como uma presença casual no  momento em que  Carlos e Smith (dois atletas americanos Tommie Smith“O Jacto” e John Carlos) realizavam um protesto silencioso para mostrar a todo o mundo como era a sua luta pelos direitos humanos. O homem branco chamava-se Peter Norman, era um australiano que tinha chegado às finais dos 200 metros depois de ter corrido uns extraordinários 20.22 nas semi-finais. Só os dois americanos Tommie Smith“O Jacto” e John Carlos tinham feito melhor: 20.14 e 20.12, respectivamente. 



Norman era um branco natural da Austrália, um país que tinha leis de apartheid rigorosas, quase tão rígidas como as da África do Sul. Havia tensão e protestos nas ruas da Austrália na sequência de pesadas restrições a imigração não-branca e a leis discriminatórias contra os aborígenes, algumas das quais consistiam em adoções forçadas de crianças nativas a famílias brancas.

Os dois americanos tinham perguntado a Norman se ele acreditava nos direitos humanos. Norman disse que sim. Perguntaram-lhe se acreditava em Deus e ele, que tinha estado no Exército da Salvação, disse que acreditava firmemente em Deus. “Sabíamos que aquilo que iamos fazer era de longe maior que qualquer feito atlético e ele disse: “Estou com vocês” .

Smith e Carlos tinham decidido levantar-se no estádio usando o emblema do Projecto Olímpico para os Direitos Humanos, um movimento de atletas que apoiava a luta pela igualdade.
Iriam receber as suas medalhas, descalços, representando a pobreza vivida pelos negros. Iriam calçar as famosas luvas pretas, símbolo da causa dos Panteras Negras. Mas antes de subirem ao pódio perceberam que só tinham um par de luvas. “Calce cada um uma luva” sugeriu Norman. Smith e Carlos aceitaram o conselho.
Norman fez ainda mais. “Acredito naquilo que vocês acreditam. Têm um desses para mim?” perguntou ele apontando para o emblema do Projeto Olímpico para os Direitos Humanos no peito dos outros. “Desse modo, posso mostrar o meu apoio à vossa causa.” Smith admitiu que ficou atónito e que pensou: “Quem é este fulano branco australiano? Ganhou uma medalha de prata, não lhe chega recebê-la e pronto?”
Smith respondeu que não, também porque não queria deixar de usá-lo. Aconteceu que com eles estava um remador americano branco, Paul Hoffman ativista do Projeto Olímpico para os Direitos Humanos. Depois de ouvir tudo aquilo, pensou “se um branco australiano me viesse pedir um emblema do Projeto Olímpico para os Direitos Humanos, por Deus, claro que lhe daria!” Hoffman não hesitou “Dei-lhe o único que tinha, o meu”.
O chefe da delegação Americana jurou que estes atletas iriam pagar enquanto vivessem por esse gesto, um gesto que ele pensava não tinha nada a ver com o desporto. Smith e Carlos foram imediatamente suspensos da equipe olímpica americana e expulsos da aldeia olímpica, enquanto que o remador Hoffman foi acusado de conspiração.Mas, no fim, o tempo provou que eles tinham tido razão e tornaram-se campeões na luta pelos direitos humanos. Com a sua imagem restabelecida, colaboraram com a equipe americana de atletismo, tendo sido erguida uma estátua deles na San Jose State University. Peter Norman não está nesta estátua. A sua ausência do pódio parece o epitáfio de um herói em quem ninguém nunca reparou. Um atleta esquecido, apagado da história mesmo na Austrália, o seu país.
Quatro anos mais tarde, nas Olimpíadas de Verão de 1972, em Munique, na Alemanha, Norman não fez parte da equipe de velocistas australianos, apesar de se ter qualificado treze vezes para os 200 metros e cinco vezes para os 100 metros.
Norman deixou o atletismo de competição depois deste desapontamento, continuando a correr ao nível amador.
Na sua Austrália branqueada, resistindo à mudança, ele foi tratado como um estranho, a sua família foi proscrita e incapaz de arranjar trabalho. Trabalhou uns tempos como professor de ginástica, continuando a lutar contra as desigualdades como sindicalista. Devido a um ferimento, Norman contraiu gangrena que levou a problemas de depressão e alcoolismo.
Norman morreu repentinamente de ataque cardíaco em 2006 sem que o seu país alguma vez lhe tivesse pedido desculpa pela maneira como o tratara. No seu funeral, Tommie Smith e John Carlos, amigos de Norman desde aquele momento em 1968, e que o tinham como herói carregaram o seu caixão.
“Peter foi um soldado solitário. Escolheu, conscientemente, ser um cordeiro do sacrifício em nome dos direitos humanos. Não há mais ninguém senão ele que a Austrália devia honrar, reconhecer e apreciar” disse John Carlos.
Só em 2012 o Parlamento australiano aprovou uma moção pedindo formalmente desculpa a Peter Norman e dedicando-lhe um lugar na história com esta declaração:
Esta Câmara “reconhece os extraordinários êxitos atléticos do falecido Peter Norman que ganhou a medalha de prata na corrida de 200 metros nas Olimpíadas da Cidade do México de 1968 num tempo de 20.06 segundos, que ainda se mantém como recorde australiano.”
“Reconhece a coragem de Peter Norman, ao ostentar no pódio um emblema do Projecto Olímpico para os Direitos Humanos, em solidariedade com os atletas afro-americanos Tommie Smith e John Carlos, que fizeram a saudação do “poder negro”.”
“Pede desculpa a Peter Norman pelo mal feito pela Austrália em não o mandar às Olimpíadas de Munique de 1972, apesar de repetidamente se ter qualificado e tardiamente reconhece o poderoso papel desempenhado por Peter Norman na prossecução da igualdade racial.”

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